2018-22-05; metodologia, contagem-modais
Neste artigo mostramos a metodologia que usamos em diversas pesquisas para a contagem dos diferentes meios de transporte, além de explicar a sua importância para entendimento e análise dos espaços públicos, sendo possível, inclusive, usar a mesma metodologia para replicar em outros lugares.
O espaço urbano das nossas cidades não se distribui de forma democrática. Apesar das pesquisas nacionais e municipais apontarem a utilização da caminhada como escolha para a maioria dos deslocamentos urbanos, comparado a qualquer outro meio de transporte, a área destinada aos veículos no espaço público ainda é superior ao de pedestres e ciclistas. O carro ocupa muito espaço e fica preso no trânsito, já o pedestre é menor, passa mais rápido e em diferentes direções, dá a entender que há, no espaço público mais carros que pedestres. Mas não é uma afirmação correta de se fazer sem comparar dados reais. Quando há o interesse de saber o volume de passagem em algum ponto, normalmente é contado só um tipo de modal, e como os veículos motorizados tanto ocupam mais espaço quanto a cultura do automóvel ainda é muito forte na nossa sociedade, comumente só se coleta dados sobre carros e motos: a quantidade nos locais onde há congestionamento, o número de estacionamentos etc. Os poucos dados disponíveis, ao menos em Campina Grande, sobre a quantidade de pedestres ou ciclistas, foram coletados individualmente e nem sempre no mesmo ponto, ou seja, não se consegue comparar o número de todos os meios de transporte.
Os horários de concentração/fluxo/intensidade de carros, pedestres e ciclistas variam entre eles e durante o dia. É importante entender como se dá essa dinâmica para que diretrizes de políticas públicas ou de desenho urbano sejam mais assertivas. Baseado nessa inquietação e questionamento sobre a porcentagem de cada modal nos espaços públicos, temos realizado, em algumas áreas de nossas pesquisas, a contagem de todos os meios de transporte. A importância da realização dessas contagens se dá para: i) entender como o espaço é utilizado pelos diferentes modais; ii) comparar volume e horários de maior e menor utilização entre eles; e, iii) identificar a direção do fluxo de passagem, principalmente dos transporte ativos (pedestre e bicicleta). Com esses dados em mãos é possível entender de que forma pode-se incentivar e fortalecer comportamentos que favoreça a criação de um meio urbano mais democrático e sustentável.
Para auxiliar esse trabalho, utilizamos a metodologia que será explicada a seguir:
Observamos antes o desenho urbano do espaço e elaboramos uma ficha de contagem de acordo com as possibilidades de caminhos existentes, para cada tipo de modal que será observado. Para carros e motos é mais óbvio, pela obrigação de respeitar as regras de circulação impostas pelas leis de trânsito, mas quando o assunto é pedestres e ciclistas a percepção muda um pouco, como há mais possibilidades de escolhas de caminhos, a ficha fica com mais opções.
Como nossas contagens são de ordem volumétrica e direcional além da quantidade observamos também o sentido do fluxo. Assim, além de vir com o mapa do local desenhado, a ficha conta com caixinhas e setas que indicam os caminhos que podem ser tomados.
Além da quantidade, procuramos sempre saber tipologia desses usuários. Dessa forma, marcamos especificidades de cada modal, como quantos desses carros são ônibus ou caminhões, por exemplo, ou quantos desses pedestres e ciclistas são mulheres e crianças. Dados como esses ajudam a entender como e para que aquela área é utilizada, tal como a importância de paradas de transporte público ou carga e descarga, ou porque de aquelas pessoas estarem ou não nesse espaço, podendo auxiliar na geração de diretrizes de planejamento para espaço público mais democrático e inclusivo.
O sentido do percurso é importante para entender o tipo de comportamento no espaço. Como o desenho urbano daquela região interfere nas escolhas de caminhos e paradas, e até que ponto esses tipos de comportamentos são culturais. Pedestres e ciclistas fazem seus caminhos mais por um lado da calçada do que por outro, e em determinada hora do dia o fluxo é mais intenso em um dos sentidos, etc. Dados assim, quando cruzados com a configuração física do espaço, podem ser justificados pela presença de marquises ou vegetação que geram sombras e deixam o caminho mais confortável. Quando cruzado com o mapa de usos do solo por exemplo, dá para entender o porquê de certos pontos se esvaziarem depois ou antes de certo horário.
A ficha de contagem, além de organizada de forma que conseguimos marcar o volume e fluxo dos modais, é sistematizada por um quarto de hora: quinze em quinze minutos é feita a troca da ficha para uma nova. Isso foi pensado para evitar erros e a poluição gráfica na folha, além de permitir outras análises e a elaboração de gráficos mais suaves.
Como a dinâmica do fim de semana é diferente, fazemos nossas contagens em dias de semana, entre terça e quinta, pois segunda e sexta sofrem interferência do fim de semana. Começamos sempre um pouco antes do horário comercial, se estendendo até um pouco depois do seu fim. Mas as escolhas de dias e horários podem mudar em virtude do objetivo da pesquisa ou das características do espaço. Por exemplo, na contagem que fizemos na Rua Maciel Pinheiro, rua majoritariamente comercial no Centro de Campina Grande, contamos de 6:00hs até às 19:00hs. Já no Parque do Açude Velho, também em Campina, por conta do seu uso muito voltado para a prática de esportes, as contagens começaram um hora mais cedo e terminaram uma hora mais tarde.
Procuramos sempre escolher um ponto que não tenha barreiras físicas, que permitam uma certa distância de observação e facilite um campo de visão amplo. É necessário de três a seis pessoas contando pois, dependendo do ponto, precisa-se de uma ou mais pessoas por modal. Quando o volume do modal a ser contado é menor, o mesmo contador que fica com carros ou motos conta também bicicletas, ou então, aqueles com volume mais intenso, precisa-se de mais auxílio na contagem de pedestres ou de automóveis. Sentamos num lugar visível o suficiente para nos sentirmos seguros, mas para não gerarmos transtorno e atrapalhar a passagem.
Em geral, fazemos turnos de três horas para que o processo não fique muito cansativo. Antes do dia marcado para acontecer a contagem fazemos uma tabela de horários com os turnos de cada pessoa que se dispôs a participar. É importante que seja feita com antecedência, para que todo mundo se programe, a falta de alguém pode comprometer toda a contagem.
Nem sempre dá certo, às vezes precisamos cancelar ou remarcar o dia e local de contagem. Já precisamos fazer isso algumas vezes por fatores meteorológicos, como chuva, ou por acontecimentos extras, como apagões, feriados, manifestações, etc. Pode acontecer também em virtude da desistência de pessoas, quando o lugar nos surpreende com o volume exagerado de algum modal ou quando o lugar escolhido não permite uma boa visibilidade.
O conforto de quem vai contar também é importante: procuramos uma sombra, levamos cadeiras de praia, água e lanche.
Com todas as fichas em mãos chega a hora de passar esses dados para o computador. Todas essas fichas e marcações se transformam em uma tabela com todos os horários e quantidades separadas entre si e por modal. A partir daí consegue-se comparar melhor os diferentes momentos do dia, por meio de transporte individualmente ou em conjunto, e gerar gráficos e mapas mais específicos.
Alguns desses resultados apontam uma porcentagem muito maior de pedestres do que de veículos motorizados nas vias, como na rua Maciel Pinheiro em Campina Grande. Em outros lugares, é possível perceber que o volume de pedestres é maior apenas em alguns horários do dia, o que acontece no Açude Velho, como pode ser visto no gráfico a seguir:
Resultados como esse se repetem na cidade de Esperança e em Conde. Indicando que muitos desses espaços não são democráticos, a vista que apresentam muito mais espaço destinado ao automóvel que ao transporte ativo.
As bicicletas sempre apresentam o menor número nas contagens, com picos significativos em alguns horários específicos do dia, como de manhã muito cedo e no fim da tarde. Esses números podem apontar uma falta de investimento nesse modal, com a falta de infraestrutura adequada ou de respeito, as pessoas ainda não se sentem seguras para utilizá-lo.
Como dito anteriormente, com a contagem direcional é possível entender o sentido de circulação dos modais. O gráfico abaixo é a sistematização desse dado para bicicletas no Açude Velho:
local quando Açude Velho, estátua de Jackson do Pandeiro maio/2017 Açude Velho, ao lado do Cuca Açude Velho, monumento dos 150 anos Rua Maciel Pinheiro março/2018 Contagem de ciclistas em 12 pontos diferentes da cidade (ver pesquisa sobre o Diagnóstico do uso da bicicleta) outubro/2014
local quando Rua Manoel Rodrigues setembro/2017 Rua Solon de Lucena
local quando Cruzamento PB-018 com a rua Manoel Alves/Domingos Maranhão julho/2017